quarta-feira, 16 de março de 2016

Ludmila

Geralmente a avó começava a gritar-lhe no instante em que a porta se abria, indagando por que Ludmila se demorara no bosque ou se, por acaso, se comportara mal na escola e por isso fora castigada. Havia ocasiões em que a avó nem mesmo isso dizia, arremessando o travesseiro contra Ludmila, sempre preparada para pular de lado. Mas naquele dia foi diferente. Nenhum travesseiro foi-lhe arremessado. E também não houve gritos.

— Babushka?

Arriscando um olhar para a avó, Ludmila viu as trancas brancas espalhadas sobre o travesseiro e a coberta puxada para o alto, como a arrumara algumas horas antes. Teve vontade de dizer: “Perdoe-me pelo que fiz esta manhã, Babushka. Não queria ser uma menina má. Por favor, perdoe-me e diga alguma coisa. Por favor...”

Se a avó não falasse agora, passaria dias e dias sem dizer coisa alguma. Nem uma única palavra. Talvez só voltasse a falar depois que a neve começasse a cair e o pai e irmãos de Ludmila tivessem voltado da colheita.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Steve e Fred

– Eles são muitos! – gritou Naomi, combinando perfeitamente com a derrapada dos pneus da moto.
Eles pararam a pouca distância da margem das árvores com o motor da Buell ronronando entre as pernas. Os olhos de Steve se estreitaram enquanto ele examinava o muro externo. Não eram os zumbis que o incomodavam. O portão principal do laboratório estava bloqueado. Um Humvee colidira com a carcaça incendiada do que parecia ser um trator semeador. O trailer deve ter avançado ainda mais, virando ao bater nos dois veículos. Poças brilhantes como de gelo cintilavam onde o fogo derretera partes dos passadiços de alumínio. Não podemos ir por aqui. Steve olhou Naomi por sobre o ombro.
– Hora de usar a entrada de serviço.
A neurocientista tombou a cabeça de lado.
– E existe uma?
Steve não pôde deixar de rir. Para alguém tão inteligente, Naomi podia ser bem burra. Steve lambeu o dedo e colocou-o teatralmente no vento.
– Vamos descobrir.
O laboratório estava inteiramente cercado. Ele esperava por isso. Devia haver, o quê?, uns cem se arrastando e apalpando de cada lado do perímetro hexagonal.