quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Sexo Casual

Como de costume, Sandro chegou ao seu local de trabalho no exato momento em que a noite terminava de asfixiar os últimos raios de sol – as luzes artificiais dos postes na rua em frente ao seu prédio substituíam a acolhedora claridade natural que ele tanto adorava.

Lá dentro, o ambiente estava cheio de pessoas silenciosas, cada uma no seu canto, sem a menor preocupação com a vida alheia. Sandro gostava de privacidade no trabalho, por isso considerava uma verdadeira dádiva poder passar a maior parte do seu expediente noturno em uma sala reservada que ficava bem longe da área comum, em que a maioria das pessoas ficava.

O grande salão central nunca ficava vazio, mas mesmo assim Sandro sentia calafrios toda vez que passava por ele, ele não sabia explicar, mas tinha algo a ver com o formato arquitetônico daquela ala do prédio. Tinha um teto muito alto, ou melhor, absurdamente alto. Isso lhe causava uma sensação esquisita de encolhimento, sentia-se pequeno, desprotegido e a mercê daquele prédio.


sexta-feira, 9 de abril de 2021

Você já quis matar alguém?

Quem nunca tirou uma vida não pode entender as razões de quem já o fez. Por isso, não tente aplicar a mim as suas noções de justiça, necessidade ou prazer. Vou contar a minha história não para que você me julgue, mas para que a experimente, se for capaz.

Meu pai sempre teve armas em casa. Era colecionador. Eu nunca pusera um dedo em nenhuma, pois sabia que o velho me arrancaria o couro, talvez literalmente. Quando íamos para o sítio da família no interior, ele sempre levava pelo menos uma espingarda de chumbinho. Eu o observava acertar alvos parados, depois móveis, e aquilo podia proporcionar horas de agonia para minha mãe, que ficava mais pálida a cada tiro ouvido a distância. Não é um esporte para pessoas frágeis.

Nosso caseiro era um homem de uns 50 anos, com cara de mais de 60, sem esposa, filhos ou dinheiro, que meu pai empregara por piedade. Mas em pouco tempo os vizinhos do interior começaram a nos telefonar em São Paulo queixando-se de que o homem aprontava nos botecos da cidadezinha, completamente bêbado, arranjando encrenca com os peões. Quando contratamos o pobre viúvo, não sabíamos que era um alcoólatra.

terça-feira, 6 de abril de 2021

O Capitão Assassino

 O primeiro personagem diabólico a imiscuir-se em minha pacífica infância — como eu rememorei naquele dia em Dullborough — foi um certo Capitão Assassino. Este desgraçado deve ter sido um descendente da família de Barba Azul, mas, naquela época, eu não nutria suspeita alguma de tal consanguinidade. A advertência que havia em seu nome não parecia suscitar qualquer preconceito generalizado contra ele, pois era admitido na alta sociedade e possuía imensa riqueza. O objetivo do capitão assassino era o matrimônio e a satisfação de um apetite canibalesco com ternas noivas.

Na manhã de cada um de seus casamentos, ele providenciava que ambas as margens do caminho até a igreja estivessem ornamentadas por flores exóticas; e quando sua noiva perguntava: "Caro Capitão Assassino, eu nunca vi flores como estas; como se chamam elas?", ele respondia: "Chamam-se Guarnições para Cordeirinhas Domésticas", e ria, terrivelmente, de próprio seu gracejo feroz, inquietando as mentes do nobre cortejo nupcial, e exibindo pela primeira vez os dentes afiados.