Seu nome era Samuel.
Ele estava em apuros. Naquela noite escura, alguém o perseguia e desejava
matá-lo. Sua vida corria risco, o tempo corria contra ele. Qualquer
movimento em falso e seu destino seria irreversível. O desespero tomava
conta de seus sentidos.
E agora, o que fazer?
Para onde ir? Ele, simplesmente, não sabia nem ao menos se estaria
vivo no minuto seguinte. Tudo o que queria era que seu coração se
acalmasse.
O tempo estava passando
e o cansaço começou a dominá-lo. Suas pernas já não reagiam
mais da mesma forma. E, pouco a pouco, ele foi diminuindo o ritmo. Teria
chegado seu fim? A morte o levaria naquela noite? Não, Samuel não
queria pensar no pior. Ele ainda poderia fugir. Queria que o pesadelo
acabasse. Já não tinha mais forças para correr.
Foi quando o avistou.
Saiu do meio da escuridão e escondeu-se entre as sombras. Samuel gritou.
Entretanto, quem ouviria seus gritos naquele inferno? Não havia para
onde fugir. Eram apenas eles dois.
Lembrou-se, então,
do revólver que portava na cintura. Não tinha mais balas, mas se conseguisse
dar-lhe uma coronhada, ele o deixaria inconsciente e conseguiria escapar.
Virou-se e não viu ninguém. Para onde teria ido? Como desaparecera?
O medo se apoderava
de Samuel. A morte estava cada vez mais perto. Ele não tinha mais fôlego
para continuar correndo. Tentava encontrar um lugar seguro, mas seria
em vão, não havia nenhum daquele lado da cidade. Não tinha ninguém
para ajudá-lo. Sua vida dependeria apenas dele mesmo.
Continuou correndo e,
finalmente, aproximou-se de um prédio abandonado. Agora, poderia refletir
sobre o que estava acontecendo. Nada fazia sentido. Por que aquela estranha
figura sob um manto preto o perseguia? O que queria? Quem era ele?
Pela janela do corredor,
avistava-se o mar. No entanto, não era mais azul. Estava tingido de
sangue. Samuel viu centenas de corpos boiando. Mortos. Seria o Dia do
Juízo Final?
...e foi lançado no
mar, como um grande monte ardendo em fogo, e se tornou em sangue a terça
parte do mar. E a terça parte das criaturas que viviam no mar morreu...
A Bíblia mencionava
o Apocalipse. Não, não poderia ser verdade. Ele não queria acreditar.
Por que tudo aquilo estaria acontecendo? E qual a relação entre o
mar e aquele estranho homem que o perseguia?
Ouviu um barulho –
havia alguém ali. Ele poderia estar errado. Melhor não se descuidar.
Caminhou em direção ao som, abriu rapidamente a porta e viu um rato
correr. Avistou mais um corpo. Mas não apenas um. Havia outros em volta.
O lugar cheirava à carne podre. Cada vez tudo parecia fazer menos sentido.
O mar. Os mortos. O
estranho sob um manto negro. A cidade destruída. Teria chegado a hora
que o Homem pagaria por tanta insensatez? Afinal, estávamos nos destruindo
uns aos outros, acabando com o planeta. Os humanos haviam se esquecido
de amar.
Um novo barulho chamou
sua atenção. Seria aquele homem de preto? Sim, era ele. Podia vê-lo
escondido em meio às sombras. O homem sob o manto preto começou a
caminhar em sua direção. Agora, ele não iria conseguir escapar. Mais
alguns metros e ele o alcançaria. Seu coração acelerou. Sentiu um
frio no estômago. Ele foi tomado pelo medo. Agora não poderia mais
correr. Foi então que o vulto saiu das sombras e se revelou. Ele estava
agora bem à sua frente. O homem sob o manto preto tinha um rosto desfigurado.
Não havia qualquer expressão nele. Seus olhos eram os de um psicopata
que não hesitaria matar, se precisasse. Ele se aproximou, tirando um
facão ensangüentado que trazia preso à perna. Samuel, por sua vez,
tirou a arma do coldre, e apontou-a em direção a ele, que erguera
o braço para desferir o golpe final. E o inesperado aconteceu.
O estranho seguiu em
frente e deu um talho em um dos corpos entre as centenas de mortos à
sua volta. Fazendo um corte longitudinal, o homem tirou um pedaço de
carne e começou a devorá-lo.
Samuel sentiu uma sensação
de alívio mesclada a um forte enjôo provocado por aquela cena grotesca.
Tudo agora fazia mais sentido – era apenas um homem tentando sobreviver
em meio àquele caos:
A voz ouvida do pássaro
insólito,
sobre a chaminé da lareira:
tão alto subirão os alqueires de trigo,
que o homem devorará o homem.
sobre a chaminé da lareira:
tão alto subirão os alqueires de trigo,
que o homem devorará o homem.
Ele recordou essa quadra
de Nostradamus, escrita há muitos séculos, que dizia que a fome
no mundo chegaria a tal ponto que os homens se devorariam uns aos outros.
Samuel agora compreendera tudo. A destruição não viria dos céus,
mas dos homens. O Homem concretizara seu legado de morte, dando fim
à própria raça.
Durante a explosão,
dois dias antes, Samuel batera a cabeça contra uma parede e ficara
desacordado por algum tempo. Na véspera, ouvira boatos sobre o início
da Terceira Guerra Mundial. Não eram boatos. Todos haviam morrido por
causa disso. Tudo aconteceu tão rápido que não percebera. Ao acordar,
não conseguia se lembrar de nada. Foi quando o pesadelo começou. Um
pesadelo real e assustador que ele preferia jamais tivesse começado.
Queria ter morrido naquele instante para não assistir à tamanha desgraça.
Não havia o que fazer a não ser fugir e rezar para não ser devorado
pelo homem de preto ou, até mesmo, por outro sobrevivente.
Autor: Gaston Stefani
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