Edward Dawes refreou sua curiosidade o mais que pôde, depois ajeitou seu corpo imenso na cadeira em frente a Herbert Smithers. Inclinando-se por cima da mesa, ficou observando-o limpar o objeto enferrujado que tinha nas mãos. Era uma faca — e quase mais nada se podia ver. Não entendia por que Smithers parecia tão preocupado com ela, no estado em que ela se encontrava. Edward Dawes acariciou seu copo e ficou esperando que o outro falasse.
Mas, como Smithers continuasse a ignorá-lo, deu o último gole e baixou o copo com força, deixando-o em cima da mesa.
— Esta faca não é lá muito bonita — observou desdenhosamente. — Diria que nem vale a pena limpá-la.
— Ham, ham...
Smithers, com este único comentário, continuou a limpar a faca cuidadosamente, raspando com uma lima a crosta de sujeira.
— O que é isso? — indagou Gladys, a empregada de seios exuberantes, do bar Três Carvalhos, que se aproximara para recolher os copos vazios.
— É uma faca — Smithers condescendeu em explicar. — Uma faca antiga e rara, que me pertence porque a achei.
Foi a vez de Dawes proferir uma exclamação, afirmando em voz alta para o bar inteiro, embora só os três estivessem presentes àquela hora:
— Ele pensa que é muito valiosa...
— Não me parece muito valiosa — disse Gladys com franqueza.
— Parece-me uma coisa feia e enferrujada que devia ser devolvida ao monte de ferro velho de onde veio.
O silêncio de Smithers foi mais eloqüente do que se tivesse dito alguma coisa. Umedeceu com saliva um lenço sujo que tirara do bolso e esfregou uma pequena mancha vermelha que havia perto da ponta, ainda coberta de sujeira. O pequeno ponto vermelho foi aumentando, emergindo da crosta de sujeira como uma pedra lapidada de um brilho vermelho muito grande.