sexta-feira, 23 de março de 2018

O Caso Romero

Eu percebi que você andava estranho, meu filho, quando você parou de sair de seu quarto, ficava o dia inteiro diante do computador, não queria comer, não queria mais conversar comigo, mal dormia, havia se recolhido a um desconhecido mundo interior.

Depois, fiquei sabendo que os filhos de amigos meus também passavam por isto, mas já era tarde demais. Numa manhã de domingo, despertei ao ouvir sua mãe engasgando ao meu lado na cama. Vi você com as mãos esticadas, estrangulando-a, olhar vidrado e boca escancarada. 

Parecia que havia sido dominado por alguma entidade diabólica, nem lembrava o meu filho querido, a quem eu tanto amava e havia criado debaixo do mesmo teto por dezessete anos. Só de pensar que você iria para a universidade em poucos meses meus olhos já se enchem de lágrima.

quarta-feira, 21 de março de 2018

O Livro Dos Hereges


Sei do que sou acusado. 

Nestes últimos dias, vocês viram quantas mentiras disseram sobre mim, que sempre fui um homem violento, que havia ameaçado minha mulher várias vezes antes. Mentiras! Mentiras!

Vejo a minha cunhada ali, sentada, fulminando-me com o olhar. Foi o ódio dela por mim que me arrastou ao tribunal, a querer minha execução. Eu a entendo, também quereria a mesma coisa se minha irmã fosse assassinada; também adoraria ver meu cunhado morto, se cresse ser ele o culpado.

Mas sou inocente, juro, ouçam-me e julguem por si próprios:

terça-feira, 20 de março de 2018

Suzanne


Na terceira página do tablóide AM New York de 2 de julho de 2007, aparece, numa nota discreta, com título “Pássaro ‘vampiro’ atacado”, uma reportagem sobre um pavão agredido por um jovem.

O tipo de notícia que passa despercebido por aqueles que não conhecem o drama de Jim, como chamaremos o rapaz para preservar seu anonimato, morador de Staten Island, NY, Ensino Médio recém-concluído.

Jim não é diferente de mim ou de você; lê X-Men e gosta de filmes de terror, quanto mais trash melhor. Recentemente, completou sua coleção de “A Hora do Pesadelo” e tem procurado no EBay e com colecionadores o raro filme dirigido James T. Flocker, “Ghosts The Still Walk”. Tem suas manias, seus hábitos, seus medos, como todos nós.

Porém, desde o começo deste ano, Jim acreditava que uma vampira o perseguia. Conheceu-a numa festa na casa dum amigo, conversaram pouco, sobre Igrejas Góticas e a invasão dos godos ao Império Romano, mas a menina deixou a festa com outro jovem, gótico como ela.

segunda-feira, 5 de março de 2018

O Abraço


Como poderia me esquecer da primeira vez que vi Mariana?

Um colega de trabalho, empolgado com os rumores, me arrastou ao apartamento dela. Na cozinha, uma dezena de outros homens, silenciosos, fitando a menininha pré-adolescente, frágil, marias-chiquinhas, olhar vazio.

A mãe dela nos instigava a começarmos.

— Podem fazer o que quiser com Mariana. Eu lhes garanto que ela não sentirá nada.

Um tal de João, caminhoneiro, boné e tatuagem no braço roliço, se adiantou. Diante da menina, hesitava:

Contrata-se um Ghostwriter


Eleonor Schneider, diante da máquina de escrever, se preparou para redigir o livro da sua vida.

Ler “São Bernardo” a encantou, a narrativa simples de Paulo Honório; refletiu que também deveria tentar. Mas ela não era nenhum Graciliano Ramos e, assim que a página em branco foi ajeitada, o peso das palavras oprimiu Eleonor. Não sabia o que dizer, nem como.

— Por que você não contrata um Ghostwriter? — Marieta, amiga de infância de Leonor, sugeriu.

— O que é isto?

— Algo comum nos Estados Unidos, amiga. “Escritor-fantasma”, em português, você paga alguém para colocar suas ideias no papel e, no final, quem recebe os créditos é você. Mais fácil, impossível.

A Ambição de um Homem

A sala estava silenciosa, a não ser pela música suave, vinda do rádio ligado. A sala estava silenciosa, o silêncio que só é possível quando se tem duas pessoas juntas.

Contudo não se tratava da calma afetiva de amantes, mas a serenidade da decepção que tinha como fundo a música, que apagava o passar do tempo; o ruído de uma vagarosa disputa.

Estavam lendo - ela sentada em sua poltrona de braços, ele na dele. Ele colocou o livro aberto sobre o colo, para encher seu cachimbo. Ela tossiu, quando a fumaça a alcançou.

– Você precisa, fumar esta coisa? – ela pergunta.

– Eu gosto. - ele responde.

– Outros homens fumam tabaco. – ela completa.

– Eu fumo o que posso pagar.

– Barato! Ela queixou-se. 'Barato, barato! Desde que fui tola o bastante para me casar com você, tem sido assim, tudo tem que ser barato! Um apartamento barato numa cidade barata. Comida barata. Bebidas baratas. Roupas baratas. Um carro barato ...