segunda-feira, 5 de março de 2018

A Ambição de um Homem

A sala estava silenciosa, a não ser pela música suave, vinda do rádio ligado. A sala estava silenciosa, o silêncio que só é possível quando se tem duas pessoas juntas.

Contudo não se tratava da calma afetiva de amantes, mas a serenidade da decepção que tinha como fundo a música, que apagava o passar do tempo; o ruído de uma vagarosa disputa.

Estavam lendo - ela sentada em sua poltrona de braços, ele na dele. Ele colocou o livro aberto sobre o colo, para encher seu cachimbo. Ela tossiu, quando a fumaça a alcançou.

– Você precisa, fumar esta coisa? – ela pergunta.

– Eu gosto. - ele responde.

– Outros homens fumam tabaco. – ela completa.

– Eu fumo o que posso pagar.

– Barato! Ela queixou-se. 'Barato, barato! Desde que fui tola o bastante para me casar com você, tem sido assim, tudo tem que ser barato! Um apartamento barato numa cidade barata. Comida barata. Bebidas baratas. Roupas baratas. Um carro barato ...


– Nós vivemos na medida das nossas posses.

– Se fosse apenas uma questão de coisas materiais eu não me importaria tanto, mas você é uma pessoa barata. Seu gosto para filmes é barato, seu gosto para música. E seu gosto para livros...

– Não é barato... – ele disse de súbito.

– Ah, não? Barato e adolescente, eu diria. Deixe-me ver. -Levantou de sua poltrona, agarrou o livro dele, leu em tom de escárnio: 'Foguetes do Amanhã. Vai me dizer que isso não é coisa barata?

– Não é. É uma boa antologia.

–  Escapismo barato.

– Não é escapismo. Quantas vezes tenho que dizer a você, que a boa ficção científica não é escapismo – não posso dizer o mesmo sobre os romances históricos que você lê.

– Não é escapismo? Foguetes na lua, homens verdes de Marte, discos voadores...

– É a boa Ficção Científica. Ela lida com problemas que homens e mulheres precisarão encarar algum dia. Talvez em breve, quem sabe.

– Certo. –  Ela disse. – Vou deixar você continuar tentando me convencer. Você parece estar na metade de uma história chamada "Julgamento de Eva". Do que se trata?

– Você deveria ler'. Ele disse. 'É muito boa.

– Ler este lixo! Me diga do que se trata, é tudo que eu quero saber.

– Tudo bem. O autor assume que o sol está perto de se tornar uma Nova, o que significa é claro, que a Terra e todos seus habitantes serão incinerados. O povo já foi avisado sobre o que está prestes a ocorrer. A história trata de como homens e mulheres passam suas últimas horas de vida.

– Ah, isso é muito útil. Suponho que depois de ler, você estará bem preparado para uma emergência deste tipo. Agora me diga, o que você faria se soubesse que o mundo acabaria amanhã?

Ele encheu novamente o cachimbo. Sobre a pequena chama, mirou sua esposa.

– Deixe-me voltar ao meu livro. – pediu.

– Ah não, não até que responda a minha pergunta. O que você faria?

–  Depende...

– Depende do que? Uma resposta tipicamente evasiva. Depende, eu suponho, se você tem ou não tem habilidade e conhecimento para construir uma nave espacial para escapar para Marte ou Júpiter ou para onde quer que as pessoas estão fugindo, nesta sua história estúpida. E você ainda tem a coragem de dizer que não é escapista? Vamos, me responda!

– Com tempo, uma nave poderia ser construída.

– Mas não por você.

– Não.

– Então, o que você faria?

– Me deixe em paz. – resmungou.

–  Por que eu deveria? Você sempre diz que não conversamos mais e agora que eu me desvio dos meus interesses, para dar atenção aos seus interesses juvenis, você não quer conversar?

– É impossível falar com você, logo você insiste em tornar a coisa toda pessoal, maldição!' Se não podemos conversar sobre algo de maneira objetiva, nós não podemos discutir coisa alguma!

–  Por que não?

– Por que você leva tudo para o lado pessoal. A próxima coisa que você irá me dizer é que você conheceu no passado, pelos menos três homens maravilhosos que poderiam construir uma nave espacial com dois tambores de óleo e um aquecedor a querosene, e que te levariam para o cinturão de asteróides fácil.

– Talvez eles pudessem mesmo. Mas você não respondeu a minha pergunta. O que você faria?

 – Eu não sei. –  disse se levantando da cadeira.

– Aonde você vai?

–  Pegar uma cerveja na cozinha. Se importa?

– Você poderia perguntar se eu quero uma também.

– Quer?

– Não.

Foi até a cozinha. Pegou um copo da prateleira do armário. Abriu a geladeira e tirou uma garrafa de cerveja. Tinha o abridor à mão quando foi interrompido por alguns estalos baixos no rádio.

– Dê um jeito nesta estação. ' Disse a esposa. 'Parece que tem algo errado.– Espere um pouco. – ele respondeu.

Então, ao invés da música, ouviu uma voz assustada, falando afobada, a transmissão desaparecia e voltava segundos depois.

– Chamado de emergência... mísseis intercontinentais...hidrogênio...Nova Iorque foi... Londres... Washington destruída... Moscou... acredita-se que...cobalto...

– Você ouviu isso? Ela gritou. 'O que isso significa?

Ele colocou a garrafa sobre a mesa e foi até o armário. 'Significa o fim do mundo. ' Abriu a gaveta de talheres.

– O que faremos?

Ele caminhou de volta a sala de estar, carregando uma faca em sua mão.

– Voltando a sua pergunta, minha querida. Aqui está a sua resposta.

Bertrand Chandler

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