Foi totalmente por acaso que
conheci John R---. Era primavera, e os primeiros açafrões estavam saindo bem
contra os últimos resquícios de gelo que o inverno havia produzido. Eu estava
em pesquisa para um artigo que estava escrevendo para uma publicação que era,
digamos assim, mais do que respeitável, quando me vi à mercê durante a noite em
uma pequena aldeia das montanhas.
Todo o calvário tinha sido
frustrante e no mínimo cansativo. Supostamente, eu deveria estar de volta a
Glasgow naquela mesma noite para digitar minhas anotações e espantar a neblina
que vinha acompanhando minhas tentativas de escrita. Estar, em uma pequena vila
com apenas uma rua e um pub (que também era uma pousada), o qual parecia não ter
sido redecorado desde a idade das trevas, não era minha ideia de conforto
caseiro; especialmente depois de algumas semanas de viagem constante,
entrevistas intermináveis, e mais de uma noite sem descanso em uma cama suja ou
café da manhã.
Havia acontecido um pequeno
afundamento na estrada de uma cidade sobre a qual tinha feito impossível que o
ônibus continuasse viajando e, mais importante para mim, me levar à segurança.
Após vários telefonemas tentando outros meios de continuar a viajar, pareceu
que eu não ia a nenhum lugar até de manhã cedo. O sonolento pub/pousada tinha
sido carinhosamente intitulado de O lorde de Dungorth - parecendo que poderia
desabar em cima de mim a qualquer momento, para finalizar ela cheia de vigas de
madeira deformada e uma clientela que pareciam tão quebradiças quanto - teria
de ser minha casa durante a noite.
Depois de falar com o dono, um
homem alto pontiagudo na casa dos cinquenta, fui gentilmente cedido um pequeno
quarto no andar de cima que claramente não tinha sido usado em - ou limpo -
fazia um bom tempo. Mesmo assim, as pessoas eram até legais e depois de um
jantar básico mas agradável de comida local, eu me sentei confortavelmente em
uma poltrona antiga que ficava perto do bar, tomando a decisão de matar o tédio
com alguns litros da cerveja local e uma garrafa de vinho. As chamas dançavam
logo a minha frente e quando o efeito entorpecente do álcool começou a fazer
efeito, eu estava até contente - quase feliz de estar em um ambiente tão
rústico. A vila poderia até ser meio triste, mas contra os ventos frios lá fora
e um céu escurecendo, a pousada podia ser considerada charmosa.
Eu não tenho certeza o quanto de
tempo eu estava sentado ali, hipnotizado pelo calor da lareira e algumas taças
de vinho tinto, mas tornou-se evidente que eu estava acompanhado de outro
hóspede da pousada. Ele se sentou perto de mim em uma poltrona larga e desgasta
do outro lado da lareira, e ficou lá olhando para as chamas tremeluzentes.
Ele parecia curiosamente em
disposição. Exteriormente ele parecia ser relativamente jovem - provavelmente
em seus trinta e poucos anos - mas sua persona era inundada de uma fragilidade
que normalmente não se esperava ver em um homem de sua idade. Seu rosto
brilhava à luz do fogo, carregando com ela uma preocupação e linhas quem
traíram uma agitação interna; seus olhos desfocados e suas mãos tremendo
lentamente enquanto as aquecia no calor da lareira.
'Posso te ajudar?' Eu ouvi as
palavras, mas não as registrei até que elas fosses repetidas.
'Desculpe-me, posso te ajudar?' O
homem se dirigiu a mim de forma afiada, e fiquei surpreso ao perceber que
estava olhando para ele por alguns minutos.
'Não, não é isso,' Eu respondi me
desculpando. 'Eu... eu achei ter te reconhecido.'
Quando ele se virou para mim ele
mostrou em sua expressão um olhar de descrença na minha mentira óbvia, mas
felizmente, não sem um pequeno vestígio de bom humor.
'Desculpa se fui um pouco grosso
com você,' ele disse. 'É só que eu estou cansado das pessoas ficarem me
encarando por aqui.' Ele ergueu sua voz tentando fazer com que ela chegasse aos
ouvidos dos gatos pingados que bebiam pub. Senti que os presentes tentavam
evitar o seu olhar.
Partimos então para uma hora de
conversa fiada. Seu nome era John R---- e ele era um agente de aquisição de
terras de Londres. Ele alegou estar avaliando um lugar próximo, que um
fazendeiro local estava disposto a vender para os promotores imobiliários, mas
imediatamente senti que ele não estava à vontade para falar de seu trabalho. Na
verdade, ele rapidamente mudou o foco da conversa inteiramente para mim; meu
trabalho, vida, família, qualquer coisa. Era como se ele precisasse continuar
falando comigo para manter a mente dele distraída para esconder sua ansiedade.
Toda vez que eu tentava perguntar algo sobre ele ou sua vida, ele me dava uma
resposta de uma ou duas palavras, ou ignorava e fazia sua própria pergunta.
Finalmente a conversa tomou seu
curso, e por um momento nó sentamos em silêncio; os únicos sons vindos de
alguns locais que passavam pelo pub e o tintilar ocasional de copos vazios
enquanto sendo lavados pelo proprietário.
O pub agora estava visivelmente
mais escuro, com a pouca luz fornecido por algumas pequenas lâmpadas de teto e
o fogo que continuou a crepitar e tremular a noite toda. Me virei em direção a
uma janela que dava pra fora da pousada, sem ver nada além de escuridão. Em
seguida, as palavras simplesmente saíram da minha boca, sem eu perceber ou ter
tempo de impedi-las. "Por que as pessoas te observam, John?"
Houve uma longa
pausa enquanto eu olhava para ele esperando por uma resposta, seus olhos fixos
no chão, mas seu rosto estampado com preocupação. Eu não esperava uma resposta
profunda, dado o jeito da nossa conversa anterior, então continuei a tomar meu
vinho quando de repente ele respondeu eu um tom sombrio: "Todos eles
sabem, mas não tem coragem de falar a respeito." Se virando em direção ao
poucos bebedores ainda no pub ele gritou "Eles todos estão com
medo!".
A resposta do
proprietário e seus consumidores foi apenas o silêncio. Eles pareciam ignorar
inteiramente a acusação de John, com apenas uma breve hesitação de movimento ou
conversa provava que eles realmente tinham ouvido a explosão momentânea. Eu não
esperava uma resposta tão volátil, mas havia desespero naquele grito; ódio e
frustração. Então, olhando diretamente para mim de um jeito que só posso
descrever como uma mistura de medo e desilusão, ele abriu a boca como se fosse
falar de novo, antes de hesitar mais uma vez. Eu senti que o homem, no fundo,
queria livrar-se de um fardo, como se um pedaço tóxico de informação estava
chateado sua alma.
Como escritor,
minha criatividade foi cativada pela possibilidade de um conto fascinante,
talvez uma que eu pudesse usar como base em um artigo ou história futura.
Prevendo que agora só precisava de um empurrão para ganhar sua confiança, me
inclinei e sussurrei "O que houve?" cheio de sentimento conflitante.
Eu estava sentindo que estava perto de tornar-me a par de alguma coisa
importante, mas pela sua tremedeira e seu comportamento ansioso, eu temia o que
aquilo podia ser.
Um instante
passou, e era como se todo o salão tivesse caído sob a sombra de um silêncio
evidente, aqueles por perto ouvindo de seus cantos tenebrosos e não
convidativos. Então ele falou "Se você quiser ser gentil e compartilhar
seu vinho comigo, eu ficaria feliz em lhe dizer", disse ele em voz baixa.
Ele não
precisou dizer duas vezes. Me levantei da minha cadeira e pedi no bar uma
segunda garrafa e mais uma taça para dividir com meu companheiro. Houve uma
hesitação peculiar quando o proprietário pegava ambos na prateleira logo atrás,
colocando-os em minha frente. Quando voltei ao meu lugar, eu sabia que os
presentes estavam me observando. Senti em meus ossos que havia algo
desconfortavelmente sufocante nos olhares; olhares acusatórios mergulhados em
medo.
Eu enchi uma
taça de vinho, do qual John bebeu em um gole só - uma visão que eu conhecia
muito bem, como de um homem que naufragado em um tumor maligno que queima por
dentro. Depois de encher mais uma vez, coloquei a garrafa no chão entre nós
esperando ele contar sua história.
Depois de olhar a bebida por um momento, ele
levantou a cabeça e olhando fixamente para mim, e em seguida como se exorcizasse
um fardo de sua alma, ele começou.
John inicialmente não
intencionava passar mais do que alguns dias na vila. Mesmo depois de ter
viajado o dia inteiro de Londres, e a noite trazendo com ela as mordidas do inverno
escocês, ele pretendia começar o mais rápido possível - quanto mais rápido
terminasse, o mais rápido estaria em casa.
***
Trabalhando para uma grande
empresa de aquisição de propriedades, era seu trabalho facilitar aos clientes
ricos a busca de um terreno para construir. O indivíduo o qual ele representava
estava especialmente interessado em comprar uma terra com bela vista para o
campo, onde desejava construir uma enorme casa de campo para sua família. O
local em questão tinha sido recentemente colocado à venda por um fazendeiro
local que estava passando por maus bocados pela baixa da economia. Portanto,
John foi contratado para avaliar a terra e negociar um bom preço, baseada nas
recomendações feitas por um grupo de inspetores que tinham estado lá na semana
anterior.
Após se instalar no O Lorde de
Dungorth, ele dirigiu seu carro para a fazenda que se situava a apenas alguns
quilômetros fora da vila. Toda a área consistia de vastos campos onde colheitas
eram cultivadas e animais pastavam, alguns acres com florestas, e um rio ou riacho borbulhante ocasional. A negociação
simplesmente fluiu, o fazendeiro - um homem idoso chamado Dale - estava
precisando de capital o mais rápido possível para sustentar de pé o resto de
suas fazendas, enquanto o cliente estava entusiasmando com o potencial da
compra e desejava concluir o negócio rapidamente.
Independente disso, John era
cuidadoso em finalizar um acordo antes dele mesmo dar uma olhada na
propriedade. Durante os anos, ele desenvolveu uma reputação de oferecer
exatamente o que o cliente queria, sem nenhuma surpresa desagradável após a
compra, como afundamentos de terra ou quaisquer outras dificuldades de
planejamento. Apesar dele não gostar muito do trabalho de avaliação de
terrenos, ele era bem qualificado para detectar qualquer coisa que pudesse
causar um problema futuro, mesmo levando um tempo considerável com isso, ele
esperava voltar para a cidade o mais tardar no dia seguinte, se tudo corresse
bem.
O fazendeiro, Sr. Dale, concordou
gentilmente em levá-lo de trator em um breve passeio pelas terras, e não foi
sem um leve sentimento de remorso que John ouviu o senhor contar a história da
região, o apego dele e sua família a ao local e por isso era tão importante
para ele manter o lugar funcionando. Mas negócios são negócios e o dinheiro que
Dale conseguiria com as duas terras em questão o dariam uma benção
incontestável - com sorte o suficiente
para ajudá-lo a passar pela tempestade financeira.
A noite chegou rapidamente, e John
ficou contente que a viagem desconfortável de trator não foi tão demorada.
Pouco tempo depois Dale parou o veículo, apontando para dois campos ao lado que
eram o que estavam à venda. Pela meia
hora seguinte John pisoteou com suas botas por lama e gramados, tirando fotos
do local onde seu cliente estava pensando em construir, enquanto lia
atentamente os registros da equipe de inspetores, comparando-as com suas
próprias anotações. Dale não queria
acompanhá-lo nas pesquisas, então só ficou escorado em seu trator, observando
tristemente.
Finalmente John tinha terminado,
mas no mesmo instante seus olhos foram atraídos para uma colina a poucos
quilômetros de distância, uma que dava vista para toda a área. Parecia estar
inabitado, com alguns acres de floresta e gramado sendo suas únicas
características distintivas. Apesar da distância, o morro parecia dominar o
horizonte e, mesmo sem ter sido verbalizado, John sentia que este era especial
ou único de algum modo. Ao voltar para o trator, ele apontou para lá, mas Dale
parecia relutante sobre o assunto, respondendo gelidamente as perguntas ou
apenas ficando em silêncio. Era o trabalho de John manter uma terra que achava
que seus clientes poderiam se interessar, e com o que parecia ser uma bela
visão para o campo, achou que seria interessante para um rico empresário
apaixonado pelas terras escocesas.
Na curta viagem de volta, John se
sentiu compelido a ficar olhando para a colina por cima do ombro e estava
convencido que seus instintos profissionais diziam-no que devia investigar a
respeito mais de perto. Depois da irritante resistência do fazendeiro Dale, ele
se rendeu e quebrou o silencio falando brevemente sobre o assunto, com óbvio
desdém por aquela terra incomum. Quando perguntado a respeito de quem pertencia,
o fazendeiro zombou dizendo apenas "Ninguém é dono daquele lugar, e
ninguém vai lá." Não disse mais muita coisa, mas antes de John entrar na
pousada, o homem pousou a mão em seu ombro e o advertiu para deixar a colina em
paz, que era perigosa e que esperava não ter que falar sobre aquilo nunca mais.
Enquanto Dale parecia sentir medo de
apenas mencionar aquilo, a impressão predominante era que o velho estava
dominado por uma tristeza profunda; uma que era melhor ser deixada sozinha.
Por mais fascinado que John tinha
ficado com o aviso do fazendeiro, não era a primeira vez que batia de frente
com supertições locais - algo que ele, com certeza, nunca tinha dado ouvidos,
caso contrário, teria perdido tempo, alguns ótimos lotes de terra e propriedade
ao longo dos anos. As histórias dos moradores sempre pareciam girar em volta de
lugares mais antigos e remotos da Grã-Bretanha. No passado ele tinha ouvido
longos contos sobre casas abandonadas que carregavam manchas de um ato
criminoso, ou matas que não podiam ser desmatadas pelo medo do que vivam nelas,
mas sem exceção nada desagradável acontecera. Não havia solidez perante os
mitos, e enquanto adorava ouvir os relatos de assombrações e seres estranhos
que rondavam os pântanos e campos abertos, ele tinha pouco tempo para isso em
sua vida corrida e trabalho. Essas histórias eram uma distração divertida, mas
além do entretenimento, eram de pouca serventia.
Voltando à pousada, ele estava
cansado e com vontade de ir para a cama, na esperança de concluir o negócio no
dia seguinte, mas foi ao bar tomar alguma bebida antes de se retirar para seu
quarto. O senhorio parecia ser bastante amigável e estava contente por alguém
ter ficado em sua pousada pois geralmente ela ficava vazia, mas seu
comportamento amistoso mudou completamente com a menção da colina. Igualmente a
Dale, o proprietário parecia relutante em dar qualquer informação detalhada
sobre o assunto e providenciou uma advertência citando "terra ruim"
como motivo suficiente para deixa-la pra lá.
Sussurros e um tumulto sutil
começou a surgir dos cantos escuros do pub enquanto moradores pareciam
perturbados com as perguntas de John. Ninguém se aproximou, mas ele estava
atento do desconforto em volta. Seu comentário " Parece que a colina é assombrada"
que deveria ter sido tomada como uma piada, provocou apenas o silêncio. A ausência
de som o fez sentir mal recebido. Rapidamente, ele terminou sua bebida e enquanto
ia andando para as escadas uma mulher jovem tocou-lhe o ombro e sussurrou em
seu ouvido "Por favor, não vá para a colina, ninguém jamais volta".
O senhorio estava ao alcance de
voz e rapidamente reprendeu a menina por apenas mencionar aquilo, em seguida
virou-se de costas e enquanto limpava um copo de cerveja, disse enquanto
gaguejava: "Durma bem, senhor. Espero que você consiga concluir o seu
negócio amanhã e voltar o mais rapido possivel para Londres".
Para John soou mais como um aviso
do que um simples boa noite.
No dia seguinte ele se levantou
cedo e fez seu caminho ao primeiro andar e foi recebido novamente pelo
senhorio, mas esse agora permanecia relativamente quieto, o que John achou
estranho pois ele tinha passado uma imagem tagarela no dia anterior.
Descartando o anfitrião apenas como uma pessoa que não era chegado em manhãs,
John tomou seu café e fez seu caminho em direção a fazenda de Dale para
terminar a compra dos terrenos.
***
Com apenas alguns deveres administrativos a serem cumpridos, John estava esperançoso que poderia concluir até o meio-dia e então fazer sua viagem de 7 ou 8 horas de volta à Londres, terminar alguns problemas inacabados antes de voltar para sua rotina habitual. Em uma mesa de seu apartamento estava uma garrafa de Uísque de malte de 30 anos, o qual ele iria tomar uma taça depois de concluir o importante negócio. Esta seria acompanhada por um ou dois cigarros - o único momento que realmente fumava, pois não confiava em si mesmo e não queria tornar isso um hábito - pediria algo pela tele-entrega e o outro dia seria folga do trabalho para fazer o que bem entendesse. Essas eram os momentos que ele mais gostava; a conclusão de um acordo e um descanso depois, e mais uma vez, ser enviado a um canto remoto das Ilhas Britânicas.
Sentado dentro do chalé do
Fazendeiro Dale, John aproveitava o aconchego do lugar e suas decorações
antiquadas que o lembravam da casa da avó quando criança. Muitas partes do
revestimento eram originais e ele tinha certeza que a casa tinha passado por incontáveis
gerações. Dale parecia estar com um humor mais agradável do que no dia
anterior, fazendo ao seu convidado uma xícara de chá e um sanduíche enquanto
John preparava o resto da papelada.
Enquanto o velho fazendeiro
perambulava por lá com uma chaleira e um par de xícaras nas mãos, John olhou
através da janela mais próxima, notando que a casa em si dava em direção à
colina-sem-nome, a poucos quilômetros de distância. Sem pensar, mencionou
casualmente que aqueles na pousada pareciam cautelosos a respeito disso também.
Depois de alcançar o chá a John,
Dale sentou no lado oposto da mesa da cozinha, mexendo seu chá, pensativo.
Houve silêncio, semelhando ao da noite anterior e apesar do ambiente acolhedor,
mais uma vez John se sentiu desconfortável. Então, eventualmente aquele
sentimento inquietante deu lugar à irritação. Por que simplesmente ele não
podia perguntar por que as pessoas tinham tanto medo daquilo? Eram apenas
superstições, e era loucura pensar que seres humanos na idade moderna ainda se
abalavam tão facilmente com simples histórias.
Depois de brincar com a idéia de
permanecer calado, John finalmente quebrou o silêncio: “Sr. Dale, não quero ser
rude, mas desde que cheguei à vila, as pessoas parecem estar agindo de forma
estranha sobre aquela colina como se eu tivesse cometido um crime apenas por
mencioná-la.”
“Talvez você tenha,” respondeu
ele. “Talvez você não devesse ter mesmo mencionado-a, meu filho”.
“Com todo o respeito, eu só
queria saber quem era o dono, pois achei que poderia ser bom para a região, um
desenvolvimento imobiliário emocionante”.
“Desenvolvimento imobiliário,”
Dale zombou. “A única coisa que deveria ser feito com aquele solo é cobri-lo
com sal”.
“É apenas uma colina”.
“Apenas uma colina...” O velho
fazendeiro parou por um momento, olhando para fora da janela em direção ao
motivo que gerava desconforto na conversa.
“Sr. Dale”, John disse, desta vez
mais suavemente “Eu já estive em lugares de belas paisagens por todo Reino
Unido. Sei que algumas regiões têm histórias, recebem nomes ruins, ou parecem
um pouco assustadoras, mas em meus anos de experiência, nunca cruzei com
nenhuma que não fosse apenas superstições. Vou até prová-lo”.
“Provar o quê, rapaz?” disse Sr.
Dale de repente, apreensivo.
"Eu gostaria de uma passeio
antes de voltar para Londres. Acho que vou dar uma olhada."
Levantando-se abruptamente, o
fazendeiro agora parecia mais ansioso do que com raiva. Seu lábio superior
tremia e parecia que o homem havia se escondido do mundo exterior em uma pilha
destrutiva de nervos, apenas esperando o momento de explodir.
"Você não pode ir lá!"
Gritou.
"Por favor, Sr. Dale. Não
tive a intenção de ofendê-lo." Os pensamentos de John agora voltaram-se
para os terrenos que tinha em mãos, e sem nada assinado ainda, não queira
arriscar-se com sua curiosidade. Como explicaria isso para seu cliente?
O senhor desabou de volta em sua
cadeira com os olhos nublados, como se estivesse lutando em uma batalha já
perdida contra terríveis memórias.
"Eu perdi meu filho para
aquele lugar..." ele disse, arrastadamente.
"Ah, meu Deus, eu sinto
muito, Sr. Dale. Por favor, aceite minhas desculpas, vamos esquecer tudo
isso."
"Não, não é sua culpa."
Do outro lado da mesa, o velho fazendeiro sorriu mesmo com um semblante triste.
"Ninguém fala do meu garoto. Não sou autorizado também. Os moradores
locais acham que apenas em falar dele ou dos outros, trará mais miséria para a
vila.
Após uma vaga pausa, ele quebrou
o silêncio dizendo "Ele era um bom rapaz. Nós não somos feitos pra enterrar
os próprios filho, ah Deus..."
Enterrando seu rosto nas mãos,
ele começou a soluçar incontrolavelmente. John não sabia o que dizer nem fazer.
A única coisa que podia oferecer era um "Eu sinto muito. Tem... tem algo
que eu possa fazer?"
Limpando as lágrimas, Dale
recostou-se na cadeira, melancolicamente. Depois de alguns suspiros, se
recompôs e, com a voz tremida de emoção, falou "Ninguém sabe quando
começou, ninguém sabe o porquê."
"Começou o que?" John
perguntou, sua compaixão agora dominado pela curiosidade.
"Eu Cresci nessa vila e
mesmo quando era um menino as pessoas não faziam ideia. Claro, eles contavam
velhas histórias sobre uma disputa que durou centenas de anos entre duas famílias
poderosas." Dale se inclinou pra frente coçando sua barba grisalha antes
de continuar. " Mas ninguém sabia seus nomes, pelo menos não estavam disposto
a falar sobre a colina. As escrituras sobre aquela terra provavelmente estão em
um cofre seguro, com o dono vivendo uma vida de alto padrão, desconhecendo o
preço que todos nós estamos pagando."
"Certamente deve haver
registro das propriedades?"
"Tenho certeza que há,
rapaz, mas você não vai encontrar ninguém que queira saber disso aqui. Ao longo
dos anos, forasteiros ignoravam os avisos dos locais e iam se aventurar por lá.
Normalmente algumas crianças desafiando umas ao outras a ir. Mas eles nunca
voltam." Dale se remexeu inconfortavelmente em sua cadeira enquanto as
lagrimas voltavam a encher seus olhos. "Meu garoto... Ele não me ouviu. E
assim como os outros, ele foi e nunca mais voltou."
"Certamente você foi atrás
dele?" John perguntou em descrença.
"Sim, eu fui. Tentei ir até
o topo, mas com o coração partido pelo sofrimento que minha mulher e meus
outros filhos estavam, eles me obrigaram a voltar para o pé da colina. Eles
sabiam que me levaria também."
"Então, seu filho poderia
estar lá em cima, machucado, morrendo, e vocês não foram atrás dele por causa
de uma supertição idiota?" A ideia de que mitos e mentiras poderia tem
resultado na morte de um menino enraiveceu John, mesmo que tenha se
envergonhado assim que suas palavras saíram de sua boca.
De repente, Dale voou sobre a
mesa e agarrou o convidado indesejado pelo colarinho, empurrando-o sobre um fogão
velho. "Com quem você pensa que está falando?!" Dale gritou do fundo
do âmago, com a voz tremendo. Para um senhor, ele ainda estava forte feito um
touro.
Por um breve momento ele achou que
o fazendeiro iria o espancar, mas então, tão rápido quanto antes, Dale o soltou
e o deu as costas. "Quando você tem outras três crianças para alimentar, e
uma esposa que ficaria de coração partido, você pensa em subir ao topo duas
vezes. Além disso, alguns garotos da vila ajudaram a minha esposa a me segurar.
Não porque se preocupavam comigo - bem, talvez, alguns sim - mas principalmente
porque eles vivem em constante medo daquele lugar, do que tem lá em cima. De
que talvez desça e venha nos fazer uma 'visita'."
Se endireitando na cadeira, o
velho fazendeiro rabiscou sua assinatura nos papeis restantes e, em seguida,
pediu a John para ir embora, o que ele fez depois de se desculpar mais algumas
vezes. Na porta, os dois homens se despediriam educadamente, e como um simples acréscimo
Dale falou "Há um velho ditado por aqui: 'Melhor deixar pra lá'. Você
seria sábio o seguisse."
***
Apesar de ter ficado
abalado pela reação volátil do velho fazendeiro às suas perguntas, ainda assim,
John queria ir até a colina. Sabendo que os moradores tentariam dissuadi-lo ou
mesmo contê-lo fisicamente, ele estava decidido de ir diretamente até lá assim
que saísse da fazenda. Enquanto fazia seu caminho, pensou que algo bom poderia
vir disso. Ele poderia quebrar o medo daquele lugar, mas era mais que aquilo,
então sua teimosia o motivou. Queria provar que estava certo, e se descobrisse um pedaço de terreno com
potencial, melhor ainda.
Chegar lá era mais problemático do que ele
havia previsto. Enquanto havia uma estradinha de terra que ia até o pé da
colina, aparentemente havia sido bloqueada pelos moradores. Um arranjo de
grandes placas de concreto, tijolos, velhos postes de madeira e outros
materiais descartados ficavam barrando uma das extremidades fazendo com que a
entrada de carro fosse impossível e a pé muito difícil.
Vendo o ponto físico e real que os moradores
chegavam para evitar que alguém tivesse acesso à montanha, John sentiu um
impulso crescer dentro de si, que devia subir até o topo e voltar para a vila
para mostrar a eles quão ridículos estavam sendo. Depois de deixar seu carro em
uma das entradas que haviam sido bloqueadas, ele escalou por cima da pilha de
escombros, com algum esforço e cuidado para não se cortar com algum objeto, ele
fez seu caminho ao longo da estrada. Por um momento considerou o que poderia
encontrar nas encostas e a real possibilidade de achar os desagradáveis restos
mortais de um visitante anterior; pensamentos que o fizeram questionar
seriamente suas atuais ações.
A estrada era larga o suficiente apenas para um
único carro e, obviamente, tinha sido deixada ao leu fazia algum tempo, cheia
de buracos, lama e cascalho cobrindo a pista em algumas partes. Enquanto a
colina ia surgindo ao longe, ele ficou impressionado pois esta era muito maior
do que tinha estimado. De longe, tinha pensado que uma caminhada rápida o
levaria até o topo, mas agora olhando ela se arquear para o longe, percebeu que
iria demorar cerca de duas horas para chegar até o pico e isso se conseguisse
encontrar uma trilha decente para se traçar. O relógio de pulso marcava que
ainda era começo da tarde e ele acreditou que teria luz do dia para ir até topo
e descer até seu carro em segurança.
Foi aí que ele começou a notar algumas peculiaridades
únicas na paisagem. Ela ficava sozinha, com nenhuma outra colina ou montanha ao
redor, como se tivesse sido deixada lá em isolamento, em quarentena da sua
própria terra. Sua subida parecia mais torta do que parecia à distancia;
assimétrica, ligeiramente inclinada para um lado de forma bizarra, sua
superfície coberta de esporádicos pacotes de árvore, enquanto o capim alto e
selvagem, um emaranhado de fios amarelos e mortos - ou estrangulados - pelos
rebentos verdes que com sucesso cobriam a maior parte da área. O mais
surpreendente era que havia uma trilha feita pela mão do homem que ia em
direção ao topo, o qual ele ficou encantado em descobrir. Tinha sido privada do
ataque da grama esguia que consumia todo o resto. Por um momento John pensou
que era tudo uma farsa e era vítima de uma pegadinha, pois o caminho parecia
bem desgasto como se fosse usado com frequência. Mas então um pensamento muito
mais obscuro flertou com sua sensibilidade racional: Que a montanha estava se
inclinando, atraindo os visitantes, acolhendo-os à um destino desconhecido. Ele
rapidamente tirou isso da cabeça e continuou.
Um velho portão bloqueava o caminho. Era de
madeira, mas obviamente tinha sido submetido fazia algum tempo aos estragos que
o inverno escocês proporcionava, sendo que sua superfície tinha sido
parcialmente devorada por musgo verde e mofo. Quando abriu, John cruzou a linha
do limite e quando o portão se fechou atrás dele, um arrepio percorreu-lhe a
espinha acompanhada por uma leve sensação de náusea. Se fosse um homem supersticioso, ele teria
dito que não era um bom lugar, que o ar ao seu redor parecia sujo... Mas ele
não era facilmente afetado por tais pensamentos, então era mais fácil se
enganar pensando ser algo que tinha comido ao invés de dar o braço a torcer e
dizer que o morro que estava o deixando nervoso.
Passeando pela trilha, ele tentou fazer no
menor tempo possível. A ideia de ter de voltar durante a noite não era uma de
ser apreciada, com o caminho inseguro e invisível e como o céu da tarde já
estava um tanto mais escuro do que tinha estado ao meio-di. Marchou a subida
com intenção, animado para ver a vista lá de cima.
A inclinação aumentou ligeiramente, junto com
natureza esporádica que o cercava. O capim alto tinha tomado tudo a não ser a trilha,
e grupos ocasionais de árvores o ladeavam, e agora ele começava a entender
porque os habitantes locais começaram a temer o lugar - os juncos de grama
morta e hera rodeavam cada tronco sugerindo um propósito malévolo. Algumas
árvores tinham caído, ficando em posições estranhas em ângulos acentuados, como
se suas copas tivessem sido puxadas para a terra, com sua casca quebradas pelos
dedos de grama que se agarrava a elas como um verdadeiro leviatã - mas enquanto
a ideia era fantasiosa, de certa forma a encosta parecia errada, de um jeito
não natural, e enquanto subia, um ar gélido começou a rastejar pelos seus
braços. Ele já havia efetuado caminhas e subidas e em seu trabalho tinha que
enfrentar regiões selvagens enquanto avaliava terrenos, mas isso parecia
diferente. Era como se a terra afetasse o clima, e não o tempo, tornando-se
cada vez mais difícil de ignorar a atmosfera opressiva da montanha.
Parando por um momento, ele esfregou os braços
às pressas para aquecê-los, fazendo uma pausa para avaliar seu progresso. Ele
ficou surpreso de quanto já havia subido. Faziam não mais que vinte minutos,
mas olhando na direção de que tinha vindo, ele deveria estar na metade da
subida da montanha. Mas como? Cada vez que ele tentava avaliar o tamanho da
colina, parecia sempre confundir a conclusão anterior. Era como se o lugar
fosse, de certa forma, deformado. John riu sozinho por não conseguir ter
nenhuma noção da dimensão dos arredores. Nenhum pássaro, nenhum farfalhar de
arbustos por causa de lebres, raposas ou até mesmo insetos Na verdade, toda a
encosta parecia morta. Não, não morta, ele pensou, e sim nas garras da própria
morte. No entanto, era inverno, então ele devia esperar a esterilidade do
campo, mas o silêncio continuava a perturbá-lo.
Então outro fenômeno estranho chamou sua
atenção. Uma contradição. Algo que contradizia sua própria memória, suas
capacidade. O caminho atrás dele agora era diferente. Enquanto subia, John
tinha ficado surpreendido de como o caminho não era tomado de mato alto, como
todo o resto era. Isso o fez suspeitar que talvez fosse usado regularmente, mas
agora olhando para baixo, parecia estar engolido pela natureza, talvez não
completamente mas, obviamente, muito mais do que antes. O capim tinha tomado
conta da trilha, enquanto arbustos e árvores se inclinavam perante, parecendo
muito mais detonado do que ele inicialmente achou - mas o caminha a frente
estava limpo.
Olhando para o resto do mundo lá em baixo, tudo
parecia tão distante e de certa forma sintético. As cores não eram tão vividas,
as campinas que povoavam os vales tinham perdido seus tons vibrantes, e o
próprio céu que se filtrava em direção do chão de um jeito que John só podia
descrever como "luz falsa".
Ele lutou à negar os sentimentos
desagradáveis que estava experimentando, e enquanto continuava por um tempo,
subindo, a náusea que tinha aparecido quando atravessou o portão, voltara. A
sensação de frio que tinha envolto suas extremidades havia progredido como uma
doença, penetrando suas entranhas e congelando-o até os ossos. John tinha dado
o seu melhor para chegar até o topo, mas não era idiota. Ele sabia que não
passava um mês sem uma notícia sobre um trilhador inexperiente ou alpinista se
perdendo em uma montanha remota, e enquanto a colina parecia ser muito mais humilde
do que essas, ele estava disposto a aceitar a derrota, até feliz por isso. Os
arredores pareciam ameaçadores, e sua atual condição física foi o suficiente
para dar retirada.
Embora não tivera alcançado o cume,
John decidiu que, se ele ainda conseguisse voltar para a vila depois de estar
na encosta, seria suficiente para argumentar
contra as superstições. Talvez ele voltasse no verão para avaliar a terra,
considerando sua decisão mais como um adiantamento do que admissão de fracasso;
entreter os moradores locais com a noção de que estiveram certo todo esse tempo
não era algo que ele queria.
Teria de haver evidências da sua
aventura, é claro. Tirando do seu bolso um celular com câmera, o qual ele usava
para documentar seu trabalho, John começou a tremer com a volta da sensação
gelada subindo por seus braços, provocando um desejo intenso de ser aquecido
pela lareira da pousada. Com alguns cliques rápidos, fotografou ao redor da
colina e depois, como uma piada, tirou uma foto de si mesmo forçando um sorriso
e com árvores e capim alto de fundo.
O que ele viu quando estava
revendo as fotos tiradas fez seu corpo tremer em arrepio. As primeiras fotos da
área saíram como esperado, mas a última tirada
mostrava algo entre os arbustos atrás dele - que parecia algum tipo de
construção. A mente de John o mandava sair correndo dali, mas ele ficou
fascinado com a ideia de uma construção escondida, afastada do mundo exterior
por uma barreira natural de folhas, ramos e mitos.
Respirando fundo, ele se arrastou
pela grama torcida, empurrando as folhas que ficavam penduradas das grandes
árvores para o lado. Lá, sentada naquela colina que os moradores tinham medo de
ir, estava o que parecia ser uma velha capela ou igreja. Uma torre se esticava
em direção ao céu, com grandes janelas de vitral - as quais muitas estavam
quebradas - pontilhando a construção cinza de pedra, lembrando de dias mais
importantes e felizes.
***
O coração de John acelerou apenas
com a visão daquilo. Talvez por isso que o morro tinha sido manchado de
superstições e mitos. Uma igreja velha e abandonada era motivo suficiente para
criar histórias assombradas. Ainda assim, a igreja não bania os sentimentos de
cautela de John. Enquanto passava por uma camada de folhas, grama e hera, não
podia negar como se sentia nervoso. Suor começou a pingar de seu rosto,
enquanto seu coração bombeava sangue em um ritmo instável e inquieto.
Deixar a colina ainda era a sua
principal intenção, mas enquanto se aproximava do arco de pedra que abrigava a
porta da igreja, ele supôs que os moradores ficariam mais abertos as suas
explicações de o porque as pessoas temiam o lugar, se eles soubessem que ele
existia lá dentro. Sem conhecer o interior da igreja, os conterrâneos poderiam
mais uma vez criar histórias e mentiras sobre o que permanecia
escondido.
A porta era de um carvalho marrom
escuro com riscos metálicos negros que adornavam a superfície, mas infelizmente
parecia trancada. John deu alguns firmes e sólidos empurrões e então,
surpreendentemente, com rangido de incontáveis anos se abriu um pouco, criando
espaço apenas para deslizar para dentro. Espiando pela fresta, podia ver que o
chão estava coberto de alvenaria que havia caído do teto. Uma grande quantidade
de pedras estavam empilhadas atrás da porta, e o seu peso em conjunto mantinha
a porta fechada. Apesar de terem cedido um pouco, elas proporcionavam
resistência o suficiente para não abrir completamente.
Um ar mofado e frio saiu de
dentro, com cheiro rançoso de pedras muito tempo abandonadas. Por um momento,
John considerou o que deveria fazer. Uma construção deixada para apodrecer por
décadas, se não séculos, poderia ser muito perigosa, mas o desejo de provar que
tinha corajosamente visto tudo que podia ser visto o queimava por dentro. Queria provar que não
haviam fantasmas ou demônios ali, apenas fragmentos de uma história esquecida.
Pegando seu telefone, ele enfiou
a mão através da fresta e tirou algumas fotos com flash. A luz iluminou o todo
o interior, mostrando estar cheio de escombros que obviamente tinha caído do
telhado, mas no fundo do salão parecia estar um tipo de altar. Do seu ponto de
vista, parecia ser feito de pedra, descansando em um degrau elevado, vários
metros acima. Acima disso, John ficou emocionado pela presença de uma inscrição
esculpida na parede, mas infelizmente não conseguia decifrar o que estava
escrito. Suspirou, pois sabia que se quisesse ler, teria de entrar. O medo de
ficar machucado ou preso de algo que caísse do teto era primordial, mas sua
curiosidade estava em pleno voo, seu entusiasmo beirando tanto o enjoo em seu
estomago quanto o frio entorpecente nas suas extremidades.
Depois de debater os riscos
consigo mesmo, John decidiu que iria o mais silenciosamente e cuidadosamente
possível para reduzir os riscos de um desmoronamento. Ele só precisava olhar.
Respirando fundo, deu um jeito de se apertar na entrada, e com um pouco de
esforço, foi para a escuridão lá de dentro. Usando uma pequena luz de trás do
seu celular, ele estava melhor situado para inspecionar os arredores mais
facilmente. O ar estava significativamente mais frio, raspando o fundo de sua
garganta quando inalava-o, e embora já estivesse esperando que o interior fosse
mais gelado do que o lado de fora por ser feito inteiramente de pedra, a igreja
parecia mais catacumba do que qualquer lugar sagrado.
Pisando mais cuidadosamente que
podia, tentando não mexer ou desalojar as grandes pilhas de escombros no chão,
John fixou seus olhos treinados no teto alto, nervoso de que qualquer barulho
poderia fazer com que a alvenaria caísse sobre sua cabeça. A extensão dos danos
ficou mais clara, com a pouca luz que penetrava o lugar por entre umas rachaduras
e buracos abertos como feridas telhado;
entretanto, o salão continuava obscuro. John achou isso curioso pois o
interior, de certa forma, deveria ser mais visível. Era como se a luz fosse
absorvida pelos cantos escuros do salão, mas imediatamente descartou esse
pensamento pois precisava manter seus nervos sob controle - ambientes
desconhecidos e isolados podem distrair até a mais racional das mentes.
Depois de escalar mais de duas
pilhas de escombros, sendo cuidadoso e evitando várias partes afiadas de
madeira quebrada, ele finalmente se encontrou na parte traseira da igreja. Lá
ficava o altar - uma mesa esculpida em pedra alisada feitas por mãos muito
habilidosas. Era fácil de imaginar o quão assustador um padre da idade das
trevas parecia, posto lá em cima, falando contos de um ponto de vista
ignorante, espumando pela boca sobre as condenações e forças demoníacas presas
na alma dos inocentes.
Uma sensação de euforia e emoção
encheu a mente de John - estar perto de algo tão cheio de história, mas ele
considerava a possibilidade de que o altar tivesse sido extraído daquele mesmo
morro, arrancado de um depósito de rochas no fundo da terra, nascido de
processos mais antigos que a própria humanidade. Mas a emoção de uma descoberta
tão antiga e rara extinguiu rapidamente esses devaneios. Ele estava tão
enamorado pelo objeto, que quase deixou passar uma pequena porta aberta à
direita do altar que parecia liderar à
um lance de escada para uma câmara subterrânea, possivelmente um cofre ou um
tumba. Se arrepiando ao pensar o que poderia jazer lá, sabendo que, mesmo com
seu nível de ceticismo, não haveriam aventuras lá por baixo. Superstição ou
não, vagar por túneis em cima de uma construção decadente não era uma ideia
inteligente.
Apontando a luz branca e estreita
de seu celular para o fundo da sala, olhou desconfiado para uma escada
empoeirada que levava até a plataforma do altar. Um arranjo natural que um
padre ou pastor usufruiu para seus serviços a centenas de anos atrás, mas ele
ainda relutava a pensar que essa era mesmo a função exercida ali. De novo, um
mal-estar rastejou pelo seu ser enquanto imaginava um homem santo, de pé, acima
de todos, gritando parábolas enigmáticas e catastrófica para um antigo público
assustado e confuso.
Fazendo seu caminho até a
plataforma, sua atenção foi desviada do chão instável por estar ansioso para
estudar mais de perto as inscrições na parede do fundo. Então, seu pé prendeu
em uma pedra quebrada no último degrau. Tropeçando abruptamente para frente, o
ombro de John bateu dolorosamente contra a beirada do altar de pedra, antes de
conseguir amortecer a queda com seu braço no chão duro e frio da plataforma. O
barulho de sua queda ecoou por toda a construção, com o som ricocheteando pelas
paredes até o teto. Por um segundo, achou que tinha ouvido um barulho estranho
vindo de outro lugar, perto dele. Algumas pequenas pedras caíram de cima, quebrando-se
no chão, como se estivessem avisando que
coisas mais pesadas e mortais estavam por vir. O alívio correu pelo corpo de
John. Feliz pelas pedras não terem caído em cima dele, e sim um pouco a frente,
ele estava ficando um pouco inseguro de sua segurança.
Se levantou vagarosamente,
segurando o ombro que agora estava machucado e dolorido, manteve seus olhos
treinados no teto. Tirando o som do vento que
assobiava entre rachaduras e buracos nas paredes, o silêncio era
onipotente. Nervoso de que quaisquer outros movimentos bruscos fariam o teto
desabar em sua cabeça, John esperou vários minutos até achar que
temporariamente estava a salvo dos detritos do teto. Então, mais devagar do que
antes, se virou e avaliou o altar de perto. Iconografias religiosas estavam
esculpidas dos lados, juntamente com símbolos estranhos e irregulares que não
reconhecia. Era fácil de imaginar algum tipo de comunhão sendo exercida ali,
com cada membro da congregação se aproximando sombriamente - descabelados e mal
nutridos - recebendo a benção de um padre severo, que falava mais de ira do que
sobre o amor.
John poderia admitir a qualquer
um que não era o cara mais criativo ou imaginativo da terra, mas ali, naquele
lugar esquecido do mundo, ele estava surpreso de quão vivido sua imaginação se
tornara. Ele quase podia visualizar aqueles que um dia tinham rezado ali -
rostos pálidos, protegidos contra o inverno severo, corpos murchos pelos
alimentos inúteis e sem nutrientes da colheita, e ainda por cima com medo de
algo extraordinário e indefinido que sufocavam todos e quaisquer pensamentos
que tinham. Sim, aquela igreja era um lugar moribundo e pequeno, mas tornava
fácil preencher a mente da população com fantasmas e espíritos. Mas claro, ele
não tinha nenhuma maneira de saber se suas suposições estavam certas ou
erradas.
Ele sacudiu a cabeça para
expulsar aqueles pensamentos e riu baixinho para si mesmo por ter deixado se
afetar tão facilmente pelo lugar, até que seus olhos fixaram-se na inscrição
esculpida acima, na parede do fundo. Estendendo a mão, correu os dedos na
profundidade e as bordas irregulares deixadas pela talhadeira do autor. Estava
claro que a mensagem da parede fugia do cenário do lugar, escrita as pressas,
com as letras todas desalinhadas, o que sugeria que tinham sido produto de
alguém apressado - com intenção de ficar o menor tempo possível dentro da
igreja. Dando um passo pra trás, a luz do celular iluminou as palavras que
diziam:
***
Nota: Este conto, o qual eu vou dividir em duas partes, foi extraído do melhor blog de creepypastas do Brasil (Creepypasta Brasil). Dentro de alguns dias, eu postarei a parte final.
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